Presença Negra no MARGS

A Secretaria de Estado da Cultura (Sedac), por meio do MARGS — Museu de Arte do Rio Grande do Sul, e a Associação de Amigos do Museu — AAMARGS convidam para a inauguração no sábado, 14.05.2022, da exposição “Presença Negra no MARGS”. A abertura ocorre em evento a partir das 10h30min.

Ocupando todos os espaços expositivos do 1º andar do MARGS (Foyer, Pinacotecas, Salas Negras e Sala Aldo Locatelli), a mostra permanece em exibição até 21.08.2022. Visitação gratuita de terça a domingo, das 10h às 19h (último acesso às 18h30).

A EXPOSIÇÃO

“Presença Negra no MARGS” é uma grande exposição coletiva que traz a público o debate e a reflexão sobre a presença e representatividade negra no campo das artes visuais, a partir de uma perspectiva desde o Sul do Brasil.

Com curadoria dos pesquisadores Igor Simões e Izis Abreu e assistência de curadoria de Caroline Ferreira e produção e realização do MARGS, a ampla e extensa mostra apresenta 200 obras aproximadamente, de diversas coleções e procedências, reunindo mais de 70 artistas entre históricos e atuantes (veja a lista completa mais abaixo).

Entre os atuantes, um grupo de mais de 20 artistas participou recentemente da residência artística intitulada “Resistência artística: INcorporAÇÕES e cruzas poéticas”, uma parceria entre MARGS, RS Criativo e Sesc RS. A atividade de formação e aperfeiçoamento, que integrou as ações preparatórias para a exposição, envolveu temas como o conceito de arte afro-brasileira, o funcionamento do sistema das artes e o empreendedorismo, além da formalização, gerenciamento e comunicação do negócio criativo.

Já entre as obras de arte e peças de coleções presentes na exposição, estarão sendo exibidos itens de mais de 20 acervos de instituições, museus e coleções particulares, como MARGS, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul — MAC RS,  Casa de Cultura Mário Quintana — CCMQ, Fundação Vera Chaves Barcellos — FVCB, Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo — MALG, Escola Municipal de Arte Carlos Alberto de Oliveira – Carlão, Pinacoteca Aldo Locatelli, Pinacoteca Ruben Berta e Coleção Sartori (veja a listagem completa mais abaixo).

Um dos destaques é Deusa Nimba. A escultura secular da deusa africana teve sua descoberta no Estado do RS revelada em 2018 e pertence ao município de Santo Ângelo. Localizada pelo Núcleo de Estudos em Cultura Afro-Brasileira e Indígena (Neabi) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), e identificada em uma pesquisa que durou 2 anos, a Deusa Nimba é a primeira a ser encontrada no Brasil e tem ligação com a tradição religiosa cultuada pelas etnias Baga e Nalu, presentes nas repúblicas da Guiné e da Guiné-Bissau desde o século 15 e que chegaram ao Rio Grande do Sul no século 17.

As cerca de 200 obras são apresentadas em núcleos a partir do conceito de “poéticas das encruzilhadas”, noção elaborada com base nas proposições teóricas de Luiz Rufino (2019) e que parte da compreensão de que a arte afro-brasileira resulta dos cruzos de múltiplos conhecimentos condensados em manifestações poéticas tecidas na trama das experiências transatlânticas. 

A ABERTURA

A inauguração da exposição “Presença Negra no MARGS” no sábado, 14.05.2022, a partir das 10h30, é aberta ao público e contará com ato solene reunindo participantes, autoridades, apoiadores e comunidade artística e cultural.

A abertura da exposição terá a apresentação de duas performances. A primeira se intitula “Agô”, da artista Preta Mina. O termo iorubá significa “pedir licença ou permissão”. No âmbito da mostra, Agô simboliza um pedido de licença para refletirmos sobre questões que pulsam para o sistema das artes no Rio Grande do Sul. 

Já a segunda performance se intitula “Arriada (fluxo reparatório)”, da artista Rita Léndè, que questiona através de estereótipos jorrados no corpo das pessoas negras, especificamente mulheres negras, questões relacionadas ao racismo-genderizado, a fetichização, hipersexualização e coisificação de suas figuras pretas femininas e preteridas no território brasileiro.

 

O PROJETO

A exposição “Presença Negra no MARGS” é o ápice e ponto culminante do Programa Público iniciado ainda em 2021, pelo Núcleo Educativo e de Programa Público do Museu, que apresentou conteúdos, palestras, aulas, encontros, cursos e debates envolvendo artistas, teóricos/as, pesquisadores/as, curadores/as e intelectuais negros/as e do pensamento negro no Brasil, incluindo agentes de movimentos sociais e ONGs. Essa intensa programação (confira aqui: https://www.margs.rs.gov.br/noticia/presenca-negra-no-margs/) juntamente a uma profunda pesquisa ofereceram um ambiente preparatório para o ponto de culminância da grande exposição que agora é apresentada.

O ponto de partida do projeto “Presença Negra no MARGS” foi um trabalho de revisão crítica do acervo do Museu e de sua formação ao longo de quase 7 décadas até aqui, problematizando os números levantados — hoje são 25 artistas negros/as que o integram, ou seja, apenas 2,23% em um universo de 1.079. Disso, resultou a série de postagens nas redes sociais intitulada “Presença Negra no Acervo do MARGS”, abordando a produção e a trajetória de artistas negros/as que o integram.

Problematizando ainda o reduzido número de suas obras no acervo — são 134 atualmente, ou seja, apenas 2,43% em um total de 5.598 —, a reflexão sobre ausências, exclusões, invisibilidades e silenciamentos de sujeitos racializados como negros logo passou a englobar não somente a coleção do Museu, mas também o campo das artes visuais como um todo.

No MARGS, a exposição “Presença Negra” integra ainda o programa expositivo “Histórias Ausentes”, com o qual se procura conferir visibilidade e legibilidade a manifestações artísticas e narrativas invisibilizadas pelos discursos dominantes da historiografia oficial, destacando trajetórias artísticas que permanecem não legitimadas pelo sistema da arte.

Nas palavras dos curadores da exposição, Igor Simões, Izis Abreu e Caroline Ferreira:

“Nesta exposição, escolhemos trabalhar apenas com produções que vêm de mãos e mentes negras. Esta é uma posição política que se refere à necessidade de conceber a arte afro-brasileira não como um tema, um estilo ou conteúdos preestabelecidos, e, sim, como a parcela da arte brasileira produzida por sujeitos negros. A insistência em uma história de ascendência europeia serviu para nublar a presença de sujeitos negros em um estado com forte contingente de pessoas racializadas como negras. O Museu de Arte do Rio Grande do Sul é questionado e, portanto, também se questiona, posto que é o principal museu de nosso Estado”. 

Nas palavras do diretor-curador do MARGS, Francisco Dalcol:

“Ao longo do último ano, o MARGS tem se proposto ao compromisso de discutir e refletir sobre os processos de apagamento e invisibilização da produção artística de autoria negra, bem como a implicação histórica de seu papel enquanto instituição museal e pública. Assim, com o projeto ‘Presença Negra no MARGS’, o Museu reforça sua atuação frente às exigências e compromissos dos debates contemporâneos, por meio de reflexões críticas, da produção de conhecimento avançado e da instituição de políticas que buscam maior pluralidade, diversidade, inclusão e equidade dentro de um processo histórico hoje seriamente questionado. E em um país em que o racismo estrutural e sistêmico persiste em suas diversas formas de dominação, opressão, segregação e exclusão, o projeto vem também a problematizar o mito da democracia racial no Brasil”.

Nas palavras da Secretária de Estado da Cultura do RS, Beatriz Araujo:

“Este projeto vai tornar ainda mais relevante o papel histórico e social do MARGS, que abrirá suas portas  para o olhar de artistas negros, construindo, assim, uma cultura mais inclusiva. No âmbito da Secretaria de Estado da Cultura, integra um conjunto de ações que temos implementado por meio de nossas instituições, em nosso empenho e compromisso de trabalhar pela busca permanente de maior diversidade e representatividade. Projetos nossos como o Presença Negra no MARGS são possíveis e se tornam realidade pela aposta na cultura e na pluralidade como valores de cidadania e de desenvolvimento social e democrático”.

 

LISTA DE ARTISTAS DA EXPOSIÇÃO

Afrokaliptico

Allan Vieira – ALN

Alisson Affonso

Ana Langone

André Ricardo

Antônio Sérgio Deodato

Arthur Timótheo da Costa

Black Nvgga

Carlos Alberto de Oliveira – Carlão

Corbiniano Lins

Dirnei Prates

Djalma do Alegrete

Emanoel Araujo

Estêvão da Fontoura

Fayola

Flávio Cerqueira

Gabriel Farias

Gisamara Oliveira

Giuliano Lucas

Grace Patterson

Gui Menezes

Gustavo Assarian

Gutê

Heitor dos Prazeres

Helô Sanvoy

Irene Santos

J. Altair

Jaci dos Santos

Jaime Lauriano

João Alves Oliveira da Silva

Josemar Afrovulto

Jota Ramos

Judith Bacci

Leandro Machado

Leonardo Lopes

Lidia Lisbôa

Luis Ferreirah

Marcos Porto

Maria Lídia Magliani

Mitti Mendonça

Momar Seck

Ney Ortiz

Osvaldo Carvalho

Otacílio Camilo

Pamela Zorn

Paulo Abenzrragh

Paulo Chimendes

Paulo Corrêa

Paulo Só

Pedro Homero

Pelópidas Thebano

Preta Mina

Renata Sampaio

Renato Garcia

Rita Lende

Rogério Fraga de Campos

Rommulo Vieira Conceição

Rosana Paulino

Salvador

Silvana Rodrigues

Silvia Victoria

Silvio Nunes Pinto

Thiago Madruga

Triafu

Valéria Barcellos

Virgínia Di Lauro

Vitória Macedo

Wagner Mello

Wilson Tibério

Zé Darci

 

ACERVOS E COLEÇÕES

Museu de Arte do Rio Grande do Sul — MARGS

Secretaria Municipal de Cultura de Santo Ângelo 

Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul — MACRS 

Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo — MALG 

Escola Municipal de Arte Carlos Alberto de Oliveira – Carlão

Pinacoteca Aldo Locatelli

Pinacoteca Ruben Berta

Fundação Vera Chaves Barcellos — FVCB

Coleção Sartori

Coleção Dirney Ribeiro

Coleção Paulo Gomes

Coleção Hanni Lore Krey

Coleção Mariza Carpes

Coleção Artur João Lavies e Alva Eulália Mendes Lavies

Coleção Eunice Gavioli

Coleção Renato Dias de Mello

Coleção Jones Lopes da Silva

Coleção Cássio Guimarães Pereira

Coleção Maria Da Graça Dos Santos

Coleção Alexandre Melo Salvatti

Coleção Regina Marques Parente

Coleção Ana Paula Almeida Soares

 

 

TEXTO INSTITUCIONAL

O PROJETO “PRESENÇA NEGRA NO MARGS”

Por
Francisco Dalcol, diretor-curador do MARGS
Fernanda Medeiros, curadora-assistente do MARGS
Carla Batista, coordenadora do Núcleo Educativo e de Programa Público do MARGS

Com o projeto “Presença Negra no MARGS”, a Sedac — Secretaria de Estado da Cultura, por meio do MARGS — Museu de Arte do Rio Grande do Sul, traz a público o debate sobre a presença e representatividade negra no campo das artes visuais.

Esta exposição é o ápice do Programa Público iniciado pelo Museu em 2021, e que se insere em um conjunto de ações da Sedac através de suas instituições.

Ao longo do último ano, o MARGS tem se proposto ao compromisso de discutir e refletir sobre os processos de apagamento e invisibilização da produção artística de autoria negra, bem como a implicação histórica de seu papel enquanto instituição museal e pública, ao mesmo tempo instigando a ampla rede que envolve pensar criticamente sobre tais questões. 

Inicialmente, o “Presença Negra no MARGS” foi pensado como uma exposição que resultasse de uma investigação sobre a presença e representatividade de artistas negros e negras no acervo do Museu — e suas ausências e lacunas. Para a sua curadoria, a Direção do MARGS convidou os pesquisadores Igor Simões (UERGS) e Izis Abreu (MARGS), cujas atuações se destacam pelas investigações com perspectiva racial que desenvolvem no campo da história da arte e da produção artística contemporânea.

Contudo, com o objetivo de minimizar o caráter episódico que uma exposição poderia assumir e a fim de manter as discussões e reflexões em evidência na pauta e cotidiano institucional do Museu e mesmo nas políticas de exibição e de aquisições, resolvemos prolongar a extensão do projeto.

Assim, demos início em junho de 2021 a um amplo e extenso Programa Público com diversas ações e conteúdos, coordenado pelo Núcleo Educativo e de Programa Público do MARGS.

Realizamos um trabalho de revisão crítica do acervo do Museu e de sua formação ao longo de quase 7 décadas até aqui, problematizando os números levantados:

> De 1954 até 2018, ingressaram 22 artistas negros/as no acervo, somando 107 obras.

> Desde 2019, que corresponde à atual gestão, passamos a ter 25 artistas negros/as, somando 134 obras.

> Ou seja, 27 obras foram adquiridas pelo Museu, entre doação e compra, validadas pelo Comitê de Acervos.

> Essas 27 aquisições são de artistas já presentes no acervo (Magliani, Paulo Chimendes, Rommulo Vieira Conceição, Dirnei Prates) e de artistas que passaram a integrá-lo (Estêvão da Fontoura, Virginia Di Lauro, Pelópidas Thebano)

> Os 25 artistas negros/as que hoje integram o acervo representam 2,23% do total de 1.079. E suas 134 obras, entre 5.598, representam 2,43%.

Disso, resultou a série de postagens nas redes sociais intitulada “Presença Negra no Acervo do MARGS”, abordando a produção e a trajetória de artistas negros/as que o integram.

Problematizando ainda o reduzido número de suas obras no acervo, a reflexão sobre ausências, exclusões, invisibilidades e silenciamentos de sujeitos racializados como negros logo passou a englobar não somente a coleção do Museu, mas também o campo das artes visuais como um todo.

Assim, começamos a realizar pelo Programa Público palestras, aulas, encontros, cursos e debates envolvendo artistas, teóricos/as, pesquisadores/as, curadores/as e intelectuais negros/as e do pensamento negro no Brasil, incluindo agentes de movimentos sociais e ONGs. 

Por meio desse conjunto de atividades, procurou-se refletir sobre questões como: 

> As intersecções entre relações sistêmicas da arte e raça

> Os processos de discussão decolonial em instituições culturais brasileiras

> Os mecanismos e estratégias para uma educação antirracista a partir da arte 

> E o papel dos museus e das instituições na implementação de políticas e ações, sobretudo desde o Sul do Brasil

E em um país em que o racismo estrutural e sistêmico persiste em suas diversas formas de dominação, opressão, segregação e exclusão, o projeto veio também a problematizar o mito da democracia racial no Brasil.

Desse modo, a realização de uma intensa programação e de uma aprofundada pesquisa ofereceu, ao longo deste último ano, um ambiente preparatório para o ponto de culminância desta grande exposição coletiva que agora apresentamos, reunindo artistas históricos e atuantes, com obras de diversas coleções a procedências.

No MARGS, o “Presença Negra” integra ainda o programa expositivo “Histórias Ausentes”, com o qual se procura conferir visibilidade e legibilidade a manifestações artísticas e narrativas invisibilizadas pelos discursos dominantes da historiografia oficial, destacando trajetórias artísticas que permanecem não legitimadas pelo sistema da arte.

Com isso tudo, o MARGS procura estimular um movimento que certamente ainda não será suficiente no muito a ser feito, mas que oferece um começo face sua necessidade e urgência. Assim, o Museu busca reforçar o compromisso de sua atuação frente às exigências do debate contemporâneo, promovendo reflexão crítica, produção de conhecimento avançado e instituindo políticas na busca por maior diversidade, inclusão e equidade em um processo histórico ora seriamente questionado.

“Presença Negra” é um projeto que se torna possível pela aposta na cultura e na pluralidade. E que vira realidade graças a todos apoiadores e colaboradores que se somaram por compreenderem o seu sentido, aqui nomeados: 

> Sedac — Secretaria de Estado da Cultura do RS e RS Criativo

> AAMARGS — Associação de Amigos do Museu e patrocinadores do Plano Anual do MARGS

> Sesc Rio Grande do Sul

> Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e Núcleo de Estudos Afro-brasileiros, Indígenas e Africanos (NEABI), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

> Profissionais e colaboradores externos, além das equipes da Sedac e do MARGS

> Museus, instituições e colecionadores que emprestaram obras e forneceram demais formas de apoio

 

 

TEXTO CURATORIAL

A EXPOSIÇÃO “PRESENÇA NEGRA NO MARGS” 

Por
Igor Simões e Izis Abreu, curadores da exposição
Caroline Ferreira, curadora-assistente

Este escrito é um esboço. O esboço de uma urgência. De um projeto que começa, mas exige o tempo das coisas que durante muito tempo são silenciadas e que para irromper precisam encontrar a temperança. No entanto, essa não é tarefa fácil.  De onde escrevemos, é preciso emitir avisos constantes ao resto da terra Brasil. Há de se continuamente dar conta da noção de existência. Sim, escrever sobre negros desde o Sul do Brasil é, antes de tudo, partir de uma afirmação: estamos e sempre estivemos aqui. Há de se lembrar da imensa porção de homens e mulheres negras escrevendo seus territórios naquela parte do país que sempre se sonhou europeia. 

Qual a possibilidade de que o trabalho de uma ex-zeladora, mulher negra, habite o acervo de uma instituição artística no Rio Grande do Sul? Quantas exposições mostraram o trabalho de Judith Bacci? Por que sabemos tão pouco sobre ela? Uma mulher preta, ex-zeladora. Interrogar sobre a existência de artistas negros, em qualquer tempo, é necessariamente assumir os lugares sociais que foram impostos a homens e mulheres negras na história assimétrica e violenta do Brasil, do Rio Grande do Sul.

Nesta exposição, escolhemos trabalhar apenas com produções que vêm de mãos e mentes negras. Esta é uma posição política que se refere à necessidade de conceber a arte afro-brasileira não como um tema, um estilo ou conteúdos preestabelecidos, e, sim, como a parcela da arte brasileira produzida por sujeitos negros. 

São só alguns exemplos para começarmos a nos interrogar sobre a ausência de sujeitos negros na história da arte local. Nunca se tratou de ausência, sempre se tratou de uma escolha. Sempre esteve relacionada a um cânone artístico que excluiu a possibilidade dessas criações figurarem como material de nossas narrativas mais legítimas. Adjetivos como autodidata, primitivo, naïf e datado são heranças dos artifícios do cânone para retirar de suas listas aqueles que não o confirmavam. Seu principal estratagema: o argumento de que eles não existiam. Tanto existem que reunimos mais de 250 obras, de cerca de 70 artistas, algumas delas provenientes de coleções particulares e de acervos públicos do RS, apresentadas em núcleos a partir do conceito de poéticas das encruzilhadas. Noção elaborada com base nas proposições teóricas de Luiz Rufino (2019) e que parte da compreensão de que a arte afro-brasileira resulta dos cruzos de múltiplos conhecimentos condensados em manifestações poéticas tecidas na trama das experiências transatlânticas. 

A arte contemporânea local nos permite encontrar chaves para a visibilidade das múltiplas formas de existências e poéticas de artistas negros no Rio Grande do Sul, facilitando inclusive o olhar sobre outras épocas e invenções de passado. Tomemos aqui o exemplo de artistas com considerável circulação nos sistemas da arte locais e nacionais e que nos permitem proposições para entender parte da diversidade possível de abordagens para essa produção no Estado. Pensemos no trabalho do artista Leandro Machado (Porto Alegre, 1978), que se impõe pela força poética que surge de proposições que se forjam no tempo da calma e do silêncio, e que se impõe pelo agudo acerto e pela contínua negociação entre o sujeito negro e o artista negro. Com uma produção constante, Leandro é um dos nomes-chaves para compreender a produção de artistas racializados como negros na arte brasileira a partir do extremo sul. Na série de pinturas feitas a partir do Henê — alisante e tintura que habitou cabeças de gerações de mulheres negras —, Leandro apresenta um olhar desde o Sul para as questões das formas de vida e sociabilidade de pessoas negras em contextos excludentes como aquele da sociedade brasileira.

As relações do homem no espaço e as percepções do espaço contemporâneo são tema de uma produção que escapa continuamente a tentativas tão frequentes de essencialização. Nos trabalhos em vídeo, desenho, instalação, escultura e fotografia, Rommulo Conceicao, nascido na Bahia mas habitante há décadas no RS, se inscreve de uma forma diferente nas discussões sobre arte e negros. Não há necessariamente em sua produção uma visualidade que atente para sua condição de homem negro, no entanto seus trânsitos pelos sistemas das artes visuais o inscrevem dentro e fora das noções mais recorrentes de arte afro-brasileira — termo difícil e controverso na identificação da produção de sujeitos negros.

As questões que pulsam para a história da arte no Rio Grande do Sul são muitas. Há de se pensar na importância do trabalho de Maria Lídia Magliani (Pelotas, 1964 — RJ, 2012), artista negra que, saída de Pelotas e sendo uma das primeiras alunas pretas formada no Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, constrói uma carreira de circulação nacional sendo  também, até bem pouco tempo e mesmo quando do início deste projeto em 2021, a única presença de mulheres negras nos acervos públicos de arte de Porto Alegre, como apontam pesquisas recentes. As pinturas, desenhos, gravuras e esculturas de Magliani reúnem em si mais do que a arte local, e, sim, uma visão aprofundada dos anseios poéticos de uma geração de artistas. Cabe salientar que na trajetória da artista, tantas vezes apontadas como distante das discussões sobre raça, destacam-se participações em mostras de artistas racializados que configuram o campo no RS, como a mostra dividida com Paulo Chimendes e J. Altair, em 1973, e que despontava com o título “Três pintores negros”, demostrando a autoconsciência de artistas pretos no Rio Grande do Sul ao longo das décadas. Em termos nacionais, Maria Lídia é também uma das únicas mulheres negras presentes na icônica mostra de 1988 intitulada “A mão afro-brasileira”, curada por Emanoel Araujo e que estabelece e se firma na dimensão conceitual de mostras como a que aqui apresentamos.

Esses nomes e recortes em produções específicas não dão conta de toda a potência da arte produzida por negros no Sul. O Sul ao Sul é, e sempre foi, território de lutas e conquistas afro-diaspóricas e, no caso da arte, apresenta um ponto privilegiado para ensejar outras geografias para a arte afro-brasileira.

Assim, um importante evento antecedeu a mostra: a realização de uma residência artística com a participação de 23 artistas negros e negras atuantes em nosso Estado, que em encontro presencial realizado no MARGS compartilharam suas produções e experiências, afirmando um espaço coletivo como estratégia de luta e resistência, acesso e permanência em espaços institucionais como o Museu. Suas produções permeiam o espaço da mostra em conversa com artistas de diferentes gerações que talvez ousaram sonhar com as articulações e movimentos coletivos evidentes em suas atuações nos sistemas das artes local.

O tempo é de acerto de contas. Ele não começa agora. Estamos vivendo o resultado do acúmulo de séculos de luta dos negros e suas formas de agrupamento e resistência. A arte brasileira, que nunca foi neutra, é um dos espaços de visibilidade dessa disputa. A arte e sua história vêm sendo interrogadas e estremecidas em nosso país. Qual a explicação para histórias tão plenamente brancas da história da arte? Como nossos acervos, coleções, exposições e narrativas se permitiram construir com tão parca participação de negros em um país em que 54% da população se declara não BRANCA? Como podemos olhar com normalidade a infinidade de listas compostas apenas por artistas brancos? 

No caso do Rio Grande do Sul, a dificuldade se acirra. A insistência em uma história de ascendência europeia serviu para nublar a presença de sujeitos negros em um estado com forte contingente de pessoas racializadas como negras. O Museu de Arte do Rio Grande do Sul é questionado e, portanto, também se questiona, posto que é o principal museu de nosso Estado. Esperemos que esse seja o reflexo de um estado inteiro que se pergunta e busca saída para as suas lacunas e apagamentos. Não temos certeza. Acreditamos que não. Mas então que a arte assuma seu mito de dianteira da sociedade e que as histórias da arte que aqui se impõem sugiram revisões em nossas formas de existência.

SERVIÇO

Exposição Presença Negra no MARGS”

Curadoria de Igor Simões e Izis Abreu e assistência de curadoria de Caroline Ferreira

Quando: abertura 14.05.2022, às 10h30min. A inauguração é aberta ao público e contará com ato solene reunindo participantes, autoridades, apoiadores e comunidade artística e cultural. Haverá performances das artistas Preta Mina e Rita Léndê. A exposição segue em exibição até 21.08.2022. 

Onde: Foyer, Pinacotecas, Salas Negras e Sala Aldo Locatelli, no 1º andar do Museu. O MARGS — Museu de Arte do Rio Grande do Sul é uma instituição da Sedac — Secretaria de Estado da Cultura do RS e fica localizado na Praça da Alfândega s/nº, em Porto Alegre, RS.

Visitação: terça-feira a domingo, das 10h às 19h (último acesso 18h30), sempre com entrada gratuita, sem necessidade de agendamento. O MARGS também oferece ao público visitas mediadas para grupos de até 6 pessoas, de quinta-feira a sábado, em 2 faixas de horários (10h30 às 12h e 14h às 15h), mediante agendamento prévio no Sympla (www.sympla.com.br/produtor/museumargs).

 

 

MARGS | MUSEU DE ARTE DO RIO GRANDE DO SUL

Instituição museológica pública, vinculada à Secretaria de Estado da Cultura do RS, voltada à história da arte e à memória artística, assim como às manifestações, linguagens, investigações, pesquisas e produções em artes visuais.

O MARGS realiza seus projetos por meio do Plano Anual via Lei de Incentivo à Cultura Federal, gerido pela Associação de Amigos do Museu (AAMARGS). O Plano Anual 2021 (Pronac: 203582) conta com os seguintes patrocinadores e apoiadores.

Patrocínio

BRDE

CMPC Celulose Riograndense Ltda

Sulgás

Vero Banrisul

Apoio

Café do MARGS

Banca do Livro

Bistrô do MARGS

Arteplantas

Tintas Killing

iSend

Serviço Social do Comércio do Rio Grande do Sul — SESC

Universidade Estadual do Rio Grande do Sul — UERGS

RS Criativo

Casa de Cultura Mário Quintana — CCMQ

Núcleo de Estudos Indígenas em Cultura Afro-brasileira e Indígena — PUCRS

Núcleo de Estudos Afro-brasileiras, Indígenas e Africanos — UFRGS

Secretaria Municipal de Cultura de Santo Ângelo 

Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul — MACRS 

Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo — MALG 

Escola Municipal de Arte Carlos Alberto de Oliveira – Carlão

Pinacoteca Aldo Locatelli

Pinacoteca Ruben Berta

Fundação Vera Chaves Barcellos — FVCB

Goethe-Institut Porto Alegre

Coleção Sartori

Coleção Dirney Ribeiro

Coleção Paulo Gomes

Coleção Hanni Lore Krey

Coleção Mariza Carpes

Coleção Artur João Lavies e Alva Eulália Mendes Lavies

Coleção Eunice Gavioli

Coleção Renato Dias de Mello

Coleção Jones Lopes da Silva

Coleção Cássio Guimarães Pereira

Coleção Maria Da Graça Dos Santos

Coleção Alexandre Melo Salvatti

Coleção Regina Marques Parente

Coleção Ana Paula Almeida Soares

Realização

Governo do Estado do Rio Grande do Sul

Secretaria de Estado da Cultura do RS

MARGS — Museu de Arte do Rio Grande do Sul 

AAMARGS — Associação dos Amigos do Museu de Arte do Rio Grande do Sul 

MARGS

Praça da Alfândega, s/n°

Centro Histórico, Porto Alegre, RS

90010-150
Visitação de terça a domingo, 10h às 19h, entrada gratuita

Telefone: (51) 3227-2311

Site: www.margs.rs.gov.br

Facebook: https://www.facebook.com/museumargs

Instagram: www.instagram.com/museumargs

Apoio e Realização