Otacílio Camilo — Estética da rebeldia

O Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), instituição da Secretaria de Estado da Cultura do RS (Sedac), inaugura no próximo sábado (17.08.2019), às 16h, uma exposição em homenagem ao artista gaúcho Otacílio Camilo (1959-1989).

Apresentada nas Salas Negras, a mostra intitulada “Estética da rebeldia” procura oferecer um resgate do artista porto-alegrense de vida breve e produção intensa nos anos 1980, e que faria 60 anos em 2019, quando também se registram os 30 anos de sua morte. Reunindo cerca de 50 obras do acervo do MARGS e de coleções públicas e particulares, a exposição apresenta gravuras, xilogravuras, objetos, livro de artista e poemas produzidos durante a década de 1980 e que, nas palavras da curadora da mostra, Izis Abreu, “representam micronarrativas pautadas por suas vivências pessoais”. No evento de abertura, o poeta Duan Kissonde realizará uma performance nas Salas Negras recitando alguns poemas de Otacílio Camilo.

Izis Abreu, curadora de “Estética da rebeldia”, é integrante da equipe do MARGS, mestranda em Teoria, Crítica e História da Arte (IA/UFRGS) e autora de monografia de conclusão do curso de graduação de História da Arte (UFRGS) resultante de sua pesquisa sobre a vida e obra de Otacílio Camilo.

Segundo a curadora: “Adepto do movimento anarcopunk, Otacílio Camilo é autor de uma produção com forte componente político e social. Por meio da ironia, suas obras tecem críticas ao conservadorismo da sociedade e do mundo da arte, ao sistema capitalista que relega parte da população a uma condição de extrema pobreza e à alienação política, estimulada, em grande parte, pelos meios de comunicação de massa”, diz Izis Abreu.

“Otacílio Camilo – Estética da rebeldia” marca o início de um ciclo de exposições do MARGS intitulado “Histórias ausentes”, que institui no museu uma política de exibição que procura conferir visibilidade a expressões artísticas e narrativas invisibilizadas pelos discursos hegemônicos da historiografia oficial, assim como a artistas cuja produção ainda permanece não legitimada pelo sistema das artes.

Depois da abertura, a exposição segue em exibição até dia 1º de dezembro de 2019. O MARGS funciona de terças a domingos, das 10h às 19h, sempre com entrada gratuita. Visitas mediadas podem ser agendadas pelo e-mail educativo@margs.rs.gov.br.

 

TEXTO CURATORIAL

Nos anos 1980, após anos de cerceamento dos direitos civis, o engajamento político da juventude brasileira dá lugar a uma atitude hedonista assentada num estado de euforia libertária da nova geração, que pôde vivenciar sua época com um peso já menor do olhar repressor da ditadura militar. No campo das artes visuais, foi a década em que se resgatou a sensibilidade individual antes substituída pela urgência do radicalismo estético-ideológico e coletivista, no que se convencionou chamar de retorno à pintura. Entretanto, esta ênfase nas emoções intensas do indivíduo guardava também elementos do conceitualismo, exaustivamente trabalhado na década anterior. Assim, a produção da década de 1980 se configurou em uma arte pensada, porém preocupada com a materialidade e também enraizada na expressividade subjetiva do artista que utilizava objetos do mundo cotidiano em micronarrativas pautadas por suas vivências pessoais. Ao artista era permitido revisitar o passado histórico da arte no intuito de expressar o seu presente. É nesta conjuntura que o artista gaúcho Otacílio Camilo (1959-1989), o Ota, traça seu breve percurso no cenário artístico brasileiro.

Artista intermídia, realizou experimentos interdisciplinares no campo das artes visuais, da música e do teatro. Também utilizou diferentes técnicas e linguagens artísticas, como gravura, performance, videoarte, poesia, colagem, fanzine, objetos e livro de artista. Proposições sempre permeadas por uma ironia fina e humor irreverente, a partir dos quais o artista desenvolveu muito cedo uma expressão visual singular.

Adepto do movimento anarcopunk, Otacílio é autor de uma produção de caráter existencialista e de problematização política e social. O pensamento anárquico de contestação ao conservadorismo burguês, à classe política, ao sistema capitalista e à alienação promovida pela cultura de massa ativaram sua consciência crítica, abastecendo seu imaginário. Como resultado, temos uma visualidade transgressiva e, muitas vezes, perturbadora, podendo ser caracterizada como uma antiestética de contestação ao establishment artístico. Com seus traços algumas vezes extremamente carregados, “sujos”, outras totalmente econômicos, Otacílio desenvolveu uma obra cuja precariedade dos meios dialoga com uma ideia de autogestão, o Do it yourself.  Ambos elementos próprios do punk.

Rapidamente, o artista incorpora a bandeira niilista No future, vivendo intensamente, e sem restrições, os prazeres do momento presente, de modo que o amálgama arte/vida torna-se elemento central em sua poética, uma vez que sua produção se relacionava ao percurso diário, no encontro com o outro e com a apreensão da experiência de alteridade nas cidades. Era por meio de práticas errantes e desviatórias, tais como a deambulação, a flanância e a deriva, que se dava o contato inebriante de seu corpo dissidente – um corpo negro, ressalte-se – com esse “outro”, antes oculto em meio à multidão. Suas proposições e/ou situações artísticas emergiam destas experiências psicogeográficas, cujo objetivo principal consistia em alterar a ordem do mundo, ressignificando o espaço social.

Desviante por natureza, a totalidade de sua produção se caracteriza pela presença de eixos temáticos configurados como “constelações” de tendências e concepções artísticas do passado histórico da antiarte (Situacionismo, Surrealismo, Fluxus e Nova objetividade), presentificadas por meio da transcriação. Ou seja, pela apropriação analógica de imagens do passado e do presente como tradução de questões urgentes para sua época. Na encruzilhada do lúdico com o irônico, em sua audaz irreverência Otacílio Camilo desnuda a miséria cotidiana que assombra uma sociedade inerte e em desencanto.

No curto intervalo de uma década, o artista teve uma intensa atuação no circuito, sem, contudo, obter sucesso de inserção no mercado nem consolidação no sistema das artes. Em razão disso, e pensando na democratização da arte, fez uso do conceito anarquista de autogestão Do it yourself, e criou uma via própria, uma terceira margem, para a difusão e distribuição de seus trabalhos.

Em um esforço de conferir visibilidade ao artista e sua produção, a exposição “Otacílio Camilo – Estética da rebeldia” reúne cerca de 50 obras, que integram os acervos do MARGS e da Pinacoteca Aldo Locatelli, além de coleções particulares, com o objetivo de oferecer um panorama da poética criadora do artista em sua breve e intensa trajetória. Suas proposições artísticas convidam o espectador a refletir sobre suas relações cotidianas, sobre o conformismo político e sobre a opressão social e a alienação cultural a que estamos submetidos. Instiga, ainda, a uma tomada de posição frente aos problemas existenciais, com vistas a uma revolução transformadora, na qual a arte, como nos disse Mário Pedrosa, atua como um “exercício experimental da liberdade”.

Ao marcar o início de um ciclo de exposições do MARGS intitulado “Histórias ausentes”, que institui no museu uma política de exibição que procura conferir visibilidade a expressões artísticas e narrativas invisibilizadas pelos discursos hegemônicos da historiografia oficial, assim como a artistas cuja produção permanece não legitimada, este projeto curatorial se volta, sobretudo, a problematizar e colocar em discussão a representatividade da produção de artistas negras e negros, que representam apenas 2% daqueles cujas obras integram o acervo do MARGS.

Izis Abreu
Mestranda em Teoria, Crítica e História da Arte (IA/UFRGS)

 

SOBRE O ARTISTA

Otacílio Lara de Oliveira Camilo nasceu no dia 14 de abril de 1959, em Porto Alegre. Iniciou sua formação artística no SENAC, aos 16 anos. Mas foi por meio do Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre que se inseriu no campo artístico porto-alegrense.  Ingressou na instituição em 1980, estudando história e teoria da arte, desenho, pintura e gravura (xilo, lito e gravura em metal). Além do Atelier Livre, Otacílio também frequentou cursos extracurriculares em diversas instituições pelo Brasil.

Em 1982, o artista realizou uma viagem de deriva pelo Brasil, passando pelo Rio de Janeiro, Fortaleza, Recife, Olinda, São Paulo e Salvador. Na cidade de São Paulo, integrou-se ao circuito acadêmico e artístico da Universidade de São Paulo (USP), frequentando o Museu de Arte Contemporânea da universidade (MAC-USP), a Faculdade de Arquitetura (FAU) e a Escola de Arte Dramáticas (ECA), onde desenvolveu proposições experimentais interdiciplinares unindo performance, artes plásticas e música.

Nesse ambiente, também teve contato com importantes nomes da arte brasileira como Regina Silveira, Júlio Plaza, Haroldo dos Campos e Ana Mae Barbosa. Neste período, morou junto aos estudantes do Conjunto Residencial da USP, o CRUSP, onde conheceu os integrantes da banda punk Excomungados, momento em que incorpora os valores e a ética anarcopunk, um acontecimento decisivo na orientação de sua produção e na definição de sua poética.

Ao longo da década de 1980, participou de exposições coletivas no Brasil e no exterior. Também foi premiado em salões e concursos de arte, como o 34º Salão de Abril, em Fortaleza,o Prêmio Aquisição na 7ª Mostra de Gravura da Cidade de Curitiba e a 7ª Bienal de San Juan del Grabado Latino-Americano y del Caribe, em Porto Rico, na qual levou o primeiro lugar.

Em 1987, foi selecionado para o projeto La Jeuve Gravura Contemporaine, intercâmbio entre França e Brasil concebido pelo artista plástico Arthur Luiz Piza.  A exposição ocorreu no Grand Palais des Beaux-Arts, em Paris. Em 1988, integrou a mostra coletiva “Distance”, organizada por Maria Ivone dos Santos e Hélio Fervenza, no Espace Latino-Americain, também em Paris.

Otacílio Camilo faleceu em 1989, aos 30 anos, deixando uma extensa e relevante produção. Em 1994, o MARGS dedicou uma retrospectiva ao artista, dentro do “Projeto: Nossos Artistas”. A mostra reuniu pelo menos 100 trabalhos em xilogravura, alguns deles doados ao museu após a exposição.

 

SOBRE A CURADORA

Izis Abreu é mestranda em Artes Visuais – História, Teoria e Crítica de Arte (IA/UFRGS). É autora da pesquisa acadêmica “Otacílio Camilo (1959 – 1989) – Estética da rebeldia” (2016), desenvolvida como requisito para obtenção do título de bacharela no curso de graduação em História da Arte (IA/UFRGS). Dedica-se à pesquisa sobre a representação visual de sujeitos negros em acervos públicos de Porto Alegre, realizando também seminários sobre feminismo negro nas artes visuais e palestras sobre perspectivas de educação antirracista no campo da história da arte. Atualmente trabalha no Núcleo de Curadoria do MARGS.

 

SOBRE O CONVIDADO

Duan Kissonde é poeta e graduando do curso de História pela Ufrgs, já participou de diversas antologias literárias  pelo país  entre elas a Antologia Literária Jovem Afro  (2017) e Cadernos Negros Vol.  41(2018), também atua como pesquisador das territorialidades negras em Porto Alegre. Atualmente tem se interessado pela performance, tendo colaborado ultimamente  com a artista Charlene Bicalho em um dos seus últimos trabalhos, a performance “Do pó se faz cipó”, que também é título de um poema de Duan.

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SERVIÇO

Exposição “Otacílio Camilo – Estética da rebeldia”

Curadoria: Izis Abreu

Abertura: 17 de agosto de 2019, às 16h
Visitação: De 18 de agosto a 1º de dezembro de 2019
Local: Salas Negras
Entrada franca

 

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Patrocínio

Banrisul

BRDE

Sulgás

Santander

 

Apoio

Café do MARGS

Banca do livro

Bistrô do MARGS

Arteplantas

Celulose Riograndense

Oliveira Construções

Tintas Killing

Escola de Engenharia da UFRGS

LIFEELAB – Laboratório de Informação da Escolda de Engenharia da UFRGS

Pinacoteca Aldo Locatelli

AAMARGS – Associação dos Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli

 

Realização

Governo do Estado do Rio Grande do Sul

Secretaria de Estado da Cultura do RS

Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli

 

Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli

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Telefone: 51 32272311

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